quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Pescar Truta na América - Um Livro de Richard Brautigan (PARTE 3 - Bate na Madeira - Segunda Parte)

BATE NA MADEIRA (SEGUNDA PARTE)

Numa tarde de primavera, quando criança na estranha cidade de Portland, cheguei a uma esquina diferente e vi um corredor de casas velhas encostadinhas umas nas outras como focas num rochedo.
Depois vi um campo comprido descendo de um morro. O campo era coberto de capim verde e de arbustos. No alto do morro havia um renque de árvores altas e escuras. Vi também uma cachoeira se despejando morro abaixo. Era comprida e clara, e quase cheguei a sentir os borrifos frios.
Deve haver um riacho lá, pensei, e ele deve ter truta.
Truta.
Finalmente uma oportunidade de pescar truta, de pegar minha primeira truta, de contemplar Pittsburgh.
Já escurecia. Não tive tempo de ir ao riacho. Voltei para casa, passando pelos bigodes de vidro das casas, que refletiam o despejar das cachoeiras da noite.
No dia seguinte eu iria pescar truta pela primeira vez. Levantaria cedo, tomaria café, e zaz. Eu tinha ouvido dizer que a melhor hora de pescar truta é de manhã cedo. A truta fica melhor. De manhã elas têm algo de especial. Fui para casa me preparar para pescar truta na América. Eu não tinha os apetrechos, por isso precisei improvisar.
Como piadas.
Por que a galinha atravessou a estrada?
Entortei um alfinete e o amarrei na ponta de um cordão branco.
E fui dormir.
Na manhã seguinteacordei cedo e tomei café. Peguei um naco de pão branco para servir de isca. Minha intenção era fazer bolinhas do miolo para pôr no meu anzolzinho vodevilesco. Saí e fui andando até a esquina diferente. Como era lindo o campo e também o riacho que vinha se despejando do morro em cacheira.
Quando cheguei perto do riacho, vi que alguma coisa não estava certa. O riacho não estava agindo direito. Havia qualquer coisa estranha nele. Alguma coisa no movimento dele me invocava. Cheguei mais perto para ver o que era que estava acontecendo.
A cachoeira era apenas um lance de degraus de madeira branca que levava a uma casa entre as árvores.
Fiquei ali muito tempo, olhando para cima e para baixo, acompanhando os degraus com os olhos, sem poder acreditar.
Aí bati no meu riacho e ouvi o ressoar de madeira.
Acabei sendo eu mesmo a minha truta e comendo o nado de pão.

A Resposta de Pescar Truta na América:

Eu nada podia fazer. Não podia transformar um lance de degraus num riacho. O rapaz voltou para o lugar de onde viera. O mesmo aconteceu comigo uma vez. Foi quando tomei uma velha por um riacho de truta em Vermont, e tive de pedir desculpas.
- Desculpe - eu disse - Pensei que a senhora fosse um riacho de truta.
- Não sou - ela disse.


(continua)